quarta-feira, 12 de agosto de 2009

FILOSOFIA COMO RESPOSTA E FILOSOFIA COMO QUESTÃO

Iniciamos nossa proposta de trabalho na perspectiva do retorno da filosofia no ensino médio. E gostaríamos de investigar como este retorno será feito, e é por isso que a proposta da da filosofia como resposta e filosofia como questão, se coloca como um modo claro e objetivo para refletir este momento na educação brasileira.

Vivemos num país que há muito tempo optou por uma tradição positivista e que buscou sempre nas ciências positivas soluções para os grandes problemas da nossa sociedade, desse modo os filósofos e os temas filosóficos sempre foram olhados com certo descaso, e as pessoas que buscam a filosofia são vistos como aquelas que ainda não descobriram o que fazer da vida e se ocupam com problemas inúteis e irrelevantes.

Com esse modo de pensar, o Brasil, buscou se afirmar como líder, mesmo que seja do terceiro mundo, e colocou todas as suas potencialidades nas ciências chamadas exatas, com a esperança que elas iriam mudar sua condição de país subdesenvolvido e de que a revolução tecnológica iria resolver os seus graves problemas, como: A vergonha da taxa de mortalidade infantil, o analfabetismo, a fome, o desemprego, a falta de moradia, a reforma agrária e a total exclusão da sua população mais carente.

Os anos foram passado, nada mudou, pelo contrário, os problemas citados só se agravam, gerando outros, sendo que o mais sério deles é o da violência, que hoje se tornou nosso maior pesadelo e não sabemos como resolver.

A era da ciência, reinante no mundo, parece que fracassou aqui no Brasil, esta claro.
E porque agora começar a se pensar em filosofia mesmo que de modo tímido?
Seria uma tentativa de recuperar a capacidade de pensar?
Ou de trazer de volta uma consciência crítica, para, por meio dela, reconquistar um espaço de liberdade de pensar ?
Gostaria de pensar que sim. E é por isso que achamos necessário investigar qual seria o tipo de filosofia que será ensinado nas nossas escolas.
E pensando como a filosofia se apresentou ao longo da história da humanidade, ora, cultivada como “a mais nobre de todas as ciências”, ora, perseguida, execrada e acusada dos crimes mais vis. Na própria Grécia, onde ela nasceu, temos a primeira vítima, Sócrates, que foi condenado a beber cicuta porque, através da filosofia, ameaçava a Polis. Esse caráter de ambigüidade, perante a filosofia, é que nos faz pensar nas duas possibilidades apresentadas de como ensinar filosofia:

1 ) Filosofia como resposta
2) filosofia como questão

FILOSOFIA COMO RESPOSTA
A filosofia como resposta se apresenta como uma ciência de todas as coisas por suas causas mais elevadas, é a filosofia identificada como uma sabedoria e é vista como um saber que acumulou durante seus mais de dois mil anos um imenso repertório de teorias e resposta. “Tesouro inestimável da cultura humana que deve ser transmitidos às gerações, como aquilo que de mais valioso foi elaborado pelo homem em seu caminhar “.
Conhecer estas respostas é então enriquecer-se culturalmente e espiritualmente, chegando a uma visão abrangente, e pela posse dessa filosofia primeira, conhecer o bem e mal .
Refletir sobre esta forma de ensinar filosofia como resposta nos levará a uma investigação que começa na sua raiz, e por isso tão antiga como a própria filosofia. Já na Grécia ela está presente, primeiro com Parmênides e o seu princípio de verdade:
“O ser é e não poder ser de outro modo , se ele é o não ser não pode ser.“
Mais tarde, Aristóteles, aproveita do princípio de verdade de Parmênides e criará o princípio de identidade e vai inaugurando na filosofia o primado da metafísica. Nesta perspectiva, o fundamental para a filosofia é chegar à identidade do ser. A primeira tarefa da filosofia é então estabelecer os limites que definem a identidade de cada ser. Mas, para chegar a isso, é necessário uma outra distinção: Entre o que é acidental no ser e o que é essencial. Sim, porque o que se procura acerca de um indivíduo, como aquilo que o determina, é a natureza que é compartilhada com ele por todos os demais seres de sua classe (de sua espécie). Só assim o conhecimento obtido é de alguma utilidade. Pois, não interessaria à ciência, ao saber fixo e universal, captar um conhecimento totalmente contingente .

“A metafísica, forma mais acabada daquilo que chamamos aqui de filosofia da identidade, trabalha, apenas, com uma categoria do ser, a substância, privilegiada como fundamental, enquanto as outras são deixadas de lado, porque justamente não contribuem, não constituem a essência do ente – objeto.”

A metafísica de Aristóteles é abstração pura, pois ela estirpa do ser seus acidentes ou melhor sua existência. Mas, o grande estrago ainda estava por vir, a idade média, principalmente, a escolástica, que sofrerá grande influência de Aristóteles, irá reduzir a filosofia a uma ciência que sabe tudo, sobre quase nada e assim atravessará séculos discutindo o sexo dos anjos.
Desta maneira, a filosofia como resposta, apostou na identidade e se esqueceu da dialética, da história, da existência do real e da própria filosofia, pois
até o nome de filosofia foi trocado para teologia, porque o Ser aristotélico é fechado em si mesmo, não precisa de ninguém, não tem começo, nem fim, não está inserido no mundo, ninguém irá desvelá-lo, é perfeito e está além da nossa realidade.

FILOSOFIA COMO QUESTÃO
A filosofia como questão se apresenta como um modo de aprender filosofia a partir de um problema, de uma questão que se coloca num determinado tempo histórico, num determinado contexto cultural, e cujo equacionamento leva à uma tomada de consciência de um aspecto da realidade até então ignorado. Significa perceber que as resposta definitivas não foram encontradas e talvez nunca o sejam, pois, cada resposta, não é, afinal, uma nova questão?
Assim como a filosofia como resposta, é tão antiga quanto a filosofia.
A filosofia como questão também tem sua raiz no pensamento grego, e seu principal representante é Heráclito. Para Heráclito, toda a realidade é dotada de dinamismo, as coisas estão em perene movimento.
“Nada é fixo, tudo se modifica “. “Tudo se move”, “tudo escorre“.
A filosofia como questão se coloca de modo radical contra a filosofia como resposta, porque rejeita todo o dogmatismo ou verdades sacralizadas, impostas pela metafísica clássica. Ao invés de caminhar no sentido da abstração, caminho percorrido pela filosofia da identidade, propõe-se a um mergulho no real, no concreto, no individual, e na história.

Seu campo não é o das essências, ou de idéias, mas o da própria vida, onde o sujeito e o objeto se encontram indissoluvelmente ligados, pois um é a condição da existência do outro.
Os maiores representes desta filosofia como questão estão nos pensadores existencialistas e no pensamento dialético, porque concebem o real como um processo histórico no qual é o devir que importa . Para este, não há necessidade de estabelecer limites rígidos ao campo da filosofia: todo objeto pode ser tomado como objeto de reflexão filosófica. Todo objeto para ser compreendido remete ao mundo do qual emerge. Em todo objeto de pensamento, a questão fundamental que se coloca não é sobre a definição de sua essência, mas sobre o sentido de sua existência. E dentro desta visão, a filosofia se coloca com uma inquietação e uma capacidade de recolocar como perguntas as respostas que já foram dadas, levando a cada um de nós a continuar sempre questionando, ou seja, a um filosofar permanente.

Porque a filosofia como questão, não é uma meditação sobre teoria já elaborada, não é um processo de assimilação do que já foi dito a respeito, ou a compreensão do que já foi explicado. Não é a capacidade de estabelecer uma hierarquia entre as teorias mais próximas da verdade .


Agora a pergunta final: Qual deste dois modos de filosofia se pretende ver cultivado no ensino médio? Como pretendemos que a filosofia, mesmo como uma disciplina optativa, seja reintroduzida em nossas escolas ?
Para Aristóteles, tudo o que é sensível sofre mudança e assim ele formulou dois conceitos básicos: ato e potência. O ato determina e a potência é indeterminada, aquilo que é só pode ser o que é, não há possibilidade de ser de outro modo.

Mas, fomos salvos pela crítica kantiana que nos libertou da ditadura imposta pela metafísica aristotélica, porque assim como Hume o despertou do seu sono dogmático, ele irá despertar a filosofia e colocar a metafísica no tribunal e realizar a revolução copernicana na filosofia, ela acordará e despertará o Heráclito que estava adormecido.
E no devir, a filosofia se põe como questão, saído da abstração metafísica e entrando no materialismo histórico dialético, e não teremos mais o ensino de filosofia, pois como disse Kant, em citadíssima passagem, não podemos ensinar filosofia, apenas ensinar filosofar.

As perguntas são muitas, assim como as respostas e as questões, mais que nunca podemos é perder o foco da questão.

Que a filosofia tem por objeto a totalidade do ser e que neste aspecto ela radicalmente diferente da ciência que só o busca em parte.
Que é sempre uma reflexão radical, porque vai na raiz dos problemas.
Que é uma crítica que busca o que está oculto nas ideologias.
Que, principalmente, é livre por que não está a serviço de nenhum sistema seja ele político ou econômico.

E é por isso que tanto a filosofia como resposta como a filosofia como questão tem que passar por esta visão .
Enquanto a filosofia como questão nos parece como a melhor alternativa, não podemos colocar todas as nossas esperanças nela, porque corremos o risco de cair no ceticismo e no criticismo, que nada nos ajudarão, basta pensar como o existencialismo e a dialética perderam muito de sua força, uma, porque se aproximou de modo perigoso do materialismo, esquecendo da própria existência do homem e, a outra, porque se deixou levar por caminhos que muitas vezes a levaram ao ceticismo, porque a impossibilidade de afirmar ou negar alguma coisa não combina com a mentalidade que a ciência implantou na modernidade e muito menos ainda com a tradição filosófica.

Desta maneira, a crítica que se coloca na filosofia como resposta, como um saber revelado, onde não se precisa pensar porque as resposta já foram dadas, e sua utilização pela religião, como modo racional de entender a fé, a levou ao dogmatismo, do qual continuamos vítimas até hoje.


BIBLIOGRAFIA:

Kirk, G. S., e, Raven, J. E.
“Os Filósofos Pré-Socráticos” – 2ª edição
Tradução de Carlos Alberto Louro Fonseca, Beatriz Rodrigues Barbosa e Maria Adelaide Pegado
Lisboa – Fundação Calouste Gulbenkian – 1982 – XVIII + 510 págs.

Nietzsche, Friederich Wilhelm
“A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos”
Tradução de Maria Inês Madeira de Andrade
Revisão de Arthur Morão
Rio de Janeiro – Elfos – 1995 – 109 págs.

Reale, Giovanni, e, Antiseri, Dario
“História da Filosofia” – “Antiguidade e Idade Média” – Volume I – 3ª edição
São Paulo – Paulus – 1990 – 683 + (18) págs. – il.

Abbagnano, Nicola
“Dicionário de Filosofia” – 4ª edição – 2ª tiragem
Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi
Revisão da tradução e tradução dos novos textos por Ivone Castilho Benedetti
São Paulo – Martins Fontes – 2003 – XII + 1014 págs.

Porta, Mario Ariel González
“A Filosofia a parir de seus problemas.
“Didática e metodologia do estudo filosófico.”
São Paulo – Edições Loyola – 2002 – 181 págs.

Aristóteles
“Metafísica” – Volume II – Texto grego com tradução ao lado.
Ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale.
Tradução de Marcelo Perine
São Paulo – Edições Loyola – 2002 – XIII + (3) + 695 págs.

Kant, Immanuel
“Crítica da Razão Pura” – 3ª edição
Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão
Introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão
Lisboa – Fundação Calouste Gulbenkian – 1994 – XXVI + 680 págs.

Faria, Maria do Carmo Bettencourt de
“Filosofia como Resposta e Filosofia como Questão”
em
“Debates Filosóficos” – Revista da SEAF – Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas
Rio de Janeiro – v. 2 – 1981 –
Obs.: Reprografia da pg. 90 até a pg.104.