sábado, 22 de agosto de 2009

A FILOSOFIA PLATÔNICA E A POSSIBILIDADE DE UMA FILOSOFIA CRISTÃ, A PARTIR DO PENSAMENTO DE SANTO AGOSTINHO.

Parte 1

Este texto busca mostrar como o pensamento platônico influenciou todo o pensamento de Santo Agostinho. A idéia principal é investigar até onde vai está influencia, e onde ela irá parar, ou melhor, como Santo Agostinho irá superar esta influencia para tornar sua filosofia original .
O que nos move a promover este encontro (não que a própria história da filosofia não o tivesse percebido), foi o fato de percebermos, nestes dois grandes pensadores, que o âmago de suas filosofias é o homem.
E por entendermos, que o primeiro problema, pelo menos implicitamente, da investigação filosófica é precisamente o do homem, aquele problema que cada um de nós é para si mesmo: Que sou eu? O que faço no mundo? Qual o meu destino?
Todos os problemas nascem desta reflexão. E, evidentemente, isto não significa que o objeto da filosofia seja apenas o homem: seu objeto é o ser na sua totalidade.
Mas, é o homem, que indaga sobre o ser; portanto, no momento em que propõe o problema do ser coloca o problema de si mesmo dentro do próprio problema do ser.
Portanto, o primeiro problema (mesmo não sendo cronologicamente) é sempre o último, a cosmologia em função da antropologia.
E é neste sentido que buscamos tanto em Platão como em Santo Agostinho as reflexões que própria filosofia contemporânea faz .

O PENSAMENTO


Alguns irão pensar que estão lendo algo sobre a história da filosofia, e se perguntarão: Qual a importância para a filosofia falar da influencia de Platão no pensamento de Santo Agostinho, se temos hoje na filosofia temas aparentemente tão mais atraentes? A resposta é sempre a mesma, como já dissemos antes, por que ambos vão colocar o homem como questão, e buscando, na própria história da filosofia, fundamentar nossa resposta, encontramos Kant.
Este colocou a razão no tribunal e passou em revista todo o pensamento e a produção intelectual antes dele, e fez com que a filosofia voltasse para si, para buscar, dentro do homem, soluções para seus problemas, não que haja com isto uma mudança radical de seus interesses, é claro que seu objeto é sempre o mesmo, o todo. Mas, agora, será que só a razão é capaz de dar conta de tudo? Kant ainda coloca mais um problema ao afirmar ou interrogar “o que podemos querer’’. E ao dizer isto ele nos coloca a dois passos do pensamento de Santo Agostinho quando este diz: “ama e fazes o que queiras“, o Ama e fazes o que queiras; o que queiras, não é o capricho, não a teu bel-prazer, mas sim o que possas querer, que possas verdadeiramente querer.

E se repararmos bem, Santo Agostinho não está tão longe de Kant, para quem o único bem é a boa vontade. E a única coisa que é verdadeiramente valiosa para ele (Kant): o que podemos querer . Não os sentimentos, não o capricho, mas o que possas realmente querer. “Ama e fazes o que queiras.”

Se fazes realmente por amor, pode fazer o que queiras. O que possas queres realmente,o que possas querer amorosamente, por amor. Naturalmente, se se suprime o “ama” destrói-se a frase, como é natural . Não é “ fazes o que queiras“, o capricho, ou o que te agrade ou o que te convenha, não, pelo contrario.
E porque começamos com esta citação de Santo Agostinho e está ligação com o pensamento kantiano? Em primeiro lugar, é para chamar atenção de que o pensamento de Santo Agostinho sempre é centrado no homem, O qual ele quer tornar intimo de Deus, depois levar está reflexão até a modernidade com Kant.

Pensamento Grego e o Pensamento Cristão

Santo Agostinho foi o primeiro filósofo, que assumiu para si a responsabilidade de criar o primeiro grande sistema da filosofia cristã, e neste ponto, se iguala a Platão, primeiro filósofo a sistematizar a filosofia grega.
O Cristianismo introduz algo de muito radical no pensamento filosófico. Se primeiro investigarmos como a filosofia nasceu na Grécia, e chegarmos aos pré-socráticos, que olharão primeiro a natureza e vão procurar explica-la e farão cosmologia para explicar o princípio primeiro “arche”, depois, Platão que é o primeiro a sistematizar todo o pensamento grego, é ele que inaugura de modo organizado as questões colocadas pelos outros . É o primeiro a tentar solucionar a questão do ser colocada por Parmênides e Heráclito. Ele também será herdeiro de outras questões filosóficas: socrática, pitagórica e o orfismo. Dos órficos e dos pitagóricos herdará a noção de imortalidade da alma, questão essencial no pensamento platônico. É também o “criador“ da metafísica ou realidades supra-sensíveis, e ao separar corpo e alma, e dentro desta dicotomia, nos mostrará, pela dialética, o caminho seguro para buscar a verdade.
Como já falamos, o pensamento cristão coloca–se de um modo radicalmente diferente do pensamento grego, porque traz em si uma idéia de criação, que é alheia aos gregos.
Para o cristianismo Deus criou o mundo(Céu, Terra e tudo mais) do nada, “ex nihilo“.
Os gregos não estavam preocupados em explicar a criação do mundo, porque o mundo sempre esteve aí. E está idéia de criação do mundo é estranha para a filosofia até então.

É claro que existe um caso particularmente elucidador, que é Plotino, grande pensador neoplatônico, que com certeza recebeu alguma influencia do cristianismo. Essa influencia o levará a pensar em algo que tem certa analogia com a idéia de criação: É o que ele chamará de “emanação”. Chamará o princípio capital de Uno, mais ou menos o equivalente a divindade, produzindo todo o restante por emanação. Há muitas metáforas, há uma serie de imagens, por exemplo, a de uma luz, que vai iluminando, que vai se difundindo até acabar numa névoa .Há diferentes formas de entender isso, mas o fundamental é que a emanação é a produção de tudo o que não é Uno . Mas este é um pensamento singular porque de modo geral o pensamento grego parte do pressusposto de que as coisas sempre estiveram aí.

Esta mudança que o cristianismo coloca no pensamento tem um grau de radicalidade única. A idéia que Deus criou o mundo do nada, não de si mesmo, não da emanação, não é fabricação, não de uma matéria prima determinada já existente, e sim que Deus põe em existência uma realidade nova diferente d’Ele, por amor. Esse é, digamos, o motivo da ação criadora de Deus, e evidentemente está ameaçado pelo nada, isto é, o problema está em que poderia não haver nada. Não é a mudança de uma coisa para outra, não é o problema da “kinesis” grega, mas algo bem mais radical: o real está ameaçado pelo nada, poderia não haver nada. E Deus pôs o mundo em existência.

Isso com certeza tem um grau de radicalidade maior do que o do pensamento grego, ou seja, o pensamento grego parte do pressuposto que as coisa já estão aí.

Uma pergunta crucial, por que há algo e não somente o nada ?
É a formulação que Leibniz fará, e mais tarde Heidegger.
Primeiramente, isso corresponde a atitude que se iniciou com o cristianismo, no qual o radical é justamente a realidade da criatura e do criador. É por isto tudo que citamos Plotino, porque ele é a ponte que ligará Platão a Santo Agostinho, porque é por ele que Santo Agostinho irá passar para chegar a Platão.

Nenhum comentário: